Novo código florestal: do sonho ao protesto da utopia
ambiental
Por Lindbergh Farias
A Câmara dos Deputados votará, até o próximo mês, o
substitutivo do Senado ao projeto de lei que altera o Código Florestal. Apesar
de o substitutivo do Senado ter aprimorado a proposta, o resultado continua
sendo negativo. E não parece realista esperar novidades promissoras na etapa
que se aproxima. O Brasil corre sério risco de retrocesso.
Infelizmente, o atual debate sobre código florestal emite
para o mundo uma mensagem que frustra as melhores expectativas internacionais
decorrentes da nossa demonstrada capacidade de reduzir desigualdades e de
crescer em meio à tormenta internacional. Na mesma linha, o sinal que o
Parlamento envia para os brasileiros não deixa margem a dúvidas: o desmatamento
será anistiado, as transgressões à lei serão perdoadas. As mortes dos que se
sacrificaram para proteger nosso tesouro biodiverso, e nossas florestas, serão
em vão. Rirão por último os que apostaram na tradição brasileira da impunidade.
Com o atual texto do projeto de lei, o país perde a
oportunidade de convergir o debate da crise econômica mundial e as
contribuições que uma nova regulação florestal poderia trazer. Em ambos,
trata-se de uma atuação mais estratégica, focada em inovação tecnológica e
institucional, buscando regulação e planejamento de longo prazo – o que não
tivemos nos últimos trinta anos.
Em diversas oportunidades, a presidenta Dilma foi
contundente ao afirmar que o governo brasileiro não aceitará retrocesso ambiental.
Nas palavras da presidenta: “temos que ser verdes produtivos”.
Lembro que, em junho, o Brasil
sediará a Rio + 20, maior conferência sobre o meio ambiente do Planeta. Não
podemos apresentar ao mundo uma legislação mutilada. O Brasil é uma potência
agrícola respeitada pelo mundo inteiro exatamente porque é uma potência
ambiental. Por isso, a bandeira eleita pelo governo brasileiro para o encontro
mundial no Rio é a economia verde. Para que o Brasil se torne a quinta economia
do planeta, deve articular crescimento econômico, distribuição de renda e
sustentabilidade ambiental.
A proposta de novo Código não reflete a via de
desenvolvimento que merece ser seguida: expandir a produção, estimular os
produtores, valorizar o setor mais dinâmico da economia e, ao mesmo tempo,
agregar valor aos produtos agrícolas, associando a dinâmica produtiva à
implantação de uma linha sustentável de desenvolvimento, cuja base é o respeito
rigoroso ao meio ambiente. O novo código não abriga esse compromisso com o
equilíbrio.
Além disso, o debate sobre o novo código florestal demonstra
que a impunidade nacional não se aplica a todos, indistintamente. Não é,
digamos, equânime. Trata-se de uma impunidade seletiva, que enche cadeias e
penitenciárias com transgressores pobres, mas preserva os poderosos com
postergações, privilégios, prerrogativas, perdão de dívidas, quando não a
oferta de novos créditos e mais estímulo. Essa lastimável tradição agride os
que cumpriram a lei como um escárnio. O novo código premia quem apostou no Brasil
velho, oligárquico e patrimonialista. Que lição é essa que ensinamos, como
nação, a respeito de nós mesmos?
O sinal dessa tolerância inadmissível está na data escolhida
como referência para suspender e rever, sob moderadas condições, multas e
punições: 22 de julho de 2008. Ironicamente, a data em que o presidente Lula
assinou um decreto que visava endurecer o jogo com os proprietários de terra
que descumpriam as leis. Pois, agora, converteu-se em data da alforria para os
transgressores. Não há argumento razoável capaz de justificar a escolha dessa
data. Impôs-se o puro e simples interesse, atropelando qualquer consideração
racional. A referência histórica óbvia seria 1998, quando se promulgou a Lei
contra os crimes ambientais. Anistiar desrespeitos ao Código florestal
anteriores a 1998 seria compreensível, embora polêmico. Afinal, o país ainda
vivia um momento de reorganização, no rastro das transformações determinadas
pela nova Constituição federal, promulgada em 1988. A nova ordem mal começava a
entrar nos eixos e a ser assimilada pela sociedade. O país ainda se exercitava
para sua longamente ansiada experiência democrática. Era compreensível
considerar a Lei de 1998 um divisor de águas e uma repactuacão.
Portanto, o que tivesse sido perpetrado antes disso talvez
merecesse um tratamento diferenciado, dependendo do atendimento a algumas
condições. No entanto, 2008? Devemos apagar dez anos de vigência da Lei?
Tolerar dez anos de crimes ambientais? Com que autoridade os novos limites
serão exigidos, daqui para a frente? As vidas sacrificadas, os anos de luta, a
devastação provocada: tudo será esquecido na geléia geral de uma amnésia
coletiva, chancelada pelos políticos? E tudo isso em meio a um novo texto que
reduz limites e entraves ao desmatamento?
Não se diga que, apesar da tolerância e das flexibilizações,
os transgressores terão de restaurar o que devastaram. Não é verdade. A verdade
tem de ser conhecida. Ela é dura e chocante: aplicado o novo código, pelo menos
20 milhões de hectares destruídos não serão recompostos. Portanto, minha
indignação com a anistia não se limita ao aspecto moral ou relativo à cultura
cívica. Tem também um motivo eminentemente prático e objetivo: o custo será
ambiental, medido em hectares e efeitos climáticos.
E mesmo quando o texto do novo código tem a oportunidade de
fazer justiça, dando tratamento diferenciado para os agricultores familiares,
ainda corre o risco de ser subvertido por brechas legislativas. O substitutivo
do Senado aperfeiçoou proposta ao criar capítulo específico para os
agricultores familiares. Contudo, objetivo tão nobre corre risco de ser
corrompido, por equiparar outros segmentos que não demandam tratamento
específico e por não se resguardar da possível fragmentação das áreas - que
também levarão a equiparação inapropriada.
Definitivamente, o projeto de novo código florestal não
moderniza o anterior, que, de fato, requeria atualização. O novo código nasce
velho, curvado sob o peso de arcaicos vícios brasileiros, e aponta para
posições dúbias. Enquanto é conivente com a depredação de nosso patrimônio
ambiental, não lida com as verdadeiras questões estruturais - as patologias
do capitalismo, do modelo produtivo vigente, o sentido de modernidade, o
próprio conteúdo ético da relação homem-natureza, o individualismo exacerbado,
a perda da identidade coletiva. A questão
ambiental é uma questão ideológica e, portanto, política.
Por isso, o país prende a respiração à espera do veto da
presidenta Dilma. Sobre seus ombros repousam imensas responsabilidades e a
esperança de milhões de brasileiros. E não apenas de brasileiros, nem só de
ambientalistas. Importantes entidades da sociedade civil – como a CNBB e a ABPC
— opuseram-se ao novo Código. A opinião pública tem se mostrado amplamente
favorável à proteção do meio ambiente e de nossa biodiversidade, e
suficientemente consciente de que defender nosso inestimável patrimônio natural
não significa opor-se ao desenvolvimento, mas qualificá-lo e torná-lo
sustentável. Entretanto, a maioria da representação política, nas duas Casas do
Congresso, virou as costas para a vontade da maioria e para o futuro do país.
Lindbergh Farias é senador da República pelo PT-RJ
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