5 de junho de 2015

Mito e realidade no cotidiano petista

Por Marcelo Barbosa e Kadu Machado

1- A aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso elimina os elementos de instabilidade da atual conjuntura: mito.

Na Europa e nos EUA, as políticas da chamada “austeridade” aprofundaram a crise, ao invés de resolvê-la.

Contudo, na situação presente, a rejeição pura e simples do “pacote” de MPs encaminhado pelo Poder Executivo nos lançaria num vácuo poder sem perspectiva de solução favorável ao campo democrático-popular.

Nesse sentido, o problema consiste em abreviar, de maneira a mais acelerada, o tempo de vigência e a extensão de tais medidas.

O país precisa ser retirado da rota da recessão – e rápido!

A retomada do crescimento, porém, depende em maior medida da política do que da economia.

Somente o esforço de uma ampla coalizão de forças sociais, que reúna desde os trabalhadores até o capital produtivo – com suas respectivas representações políticas – poderá assegurar o retorno a uma contínua elevação dos níveis de emprego e renda no país, conforme vinha ocorrendo desde 2003.

2- O PT precisa construir uma frente de esquerda: mito.

Nos últimos anos, a esquerda brasileira ampliou seu peso na sociedade. Trata-se de um crescimento relativo.

De fato, sozinha, não tem força para sustentar o regime democrático e nem capacidade de mobilização para impor uma orientação econômico-financeira distinta da atual.

Necessita construir alianças ao centro.

Como não faz isso, se isola e vem sofrendo sucessivas derrotas desde o anúncio da reeleição da presidenta Dilma. Por baixo e por cima, nas ruas e no Congresso, a iniciativa passou a pertencer aos setores situados nas áreas mais reacionárias do espectro político.

Para derrotar tais ameaças – sobretudo as contestações à legitimidade do mandato da presidente Dilma – convém manter e ampliar o diálogo com todas as correntes democráticas, inclusive frações do empresariado. Movimento sem o qual também não será possível defender o setor público da economia, Petrobrás à frente.

No longo prazo, muitos setores de centro anunciam sua concordância com a necessidade introduzir reformas de estrutura em áreas sensíveis da organização do Estado e da sociedade brasileiros. A movimentação de instituições como a OAB e a CNBB expõe o engajamento de setores politicamente moderados, porém comprometidos com a ampliação dos espaços de democracia política e justiça social. É com esse tipo de aliados que devemos partir para a montagem de uma frente ampla, com caráter de centro-esquerda.

3- O PT precisa voltar às origens: realidade, em termos.

O PT não pode e nem deve abrir mão das características presentes em seus momentos inaugurais, em especial, a ênfase na afirmação da identidade de esquerda e a cultura de solidariedade ao sindicalismo e aos movimentos sociais. Ao inverso, necessita reforçar tais compromissos.

Porém, carece de assumir a defesa de temas pertencentes ao universo programático da esquerda que o precedeu, nomeadamente os trabalhistas e os comunistas.

Para tanto, incumbe recuperar a importância da chamada Questão Nacional no que se refere à defesa da soberania – inclusive a de natureza econômica – do país. Ao retomar a coordenação entres ações de caráter democrático, mas também nacional, nosso partido estará contribuindo para transformar o conteúdo das instituições do Estado brasileiro, dirigindo-as ao enfrentamento do atraso estrutural do país, principalmente a questão da desigualdade social.

Tais atitudes, ao invés de dificultar, apenas capacitarão o Brasil a atuar com mais eficácia em iniciativas de natureza não autárquica como o estímulo aos Brics e a integração com os países da América latina e África.

4- O PT precisa entender que o ciclo da Constituição de 1988 está encerrado: mito.

Mesmo sem consagrar todas as aspirações dos setores democráticos e populares que participaram de sua elaboração, a verdade é que a Carta de 1988 se inclui entre as mais avançadas do mundo!

Sem ser perfeita, assegura um regramento democrático para a luta política de classes em curso na sociedade. Sob sua égide, na contramão do resto do mundo, a esquerda petista e seus aliados conseguiram atingir o governo do país e dar início a um período de importantes mudanças.

Aliás, boa parte das demandas enunciadas nos protestos de 2013 – em favor de melhorias na saúde, educação e mobilidade urbana, só para ficar em três itens – encontrariam equacionamento caso os dispositivos da Constituição fossem efetivamente aplicados.

As elites ligadas ao capital financeiro e ao agronegócio perceberam isso. Daí porquê desde a promulgação da Lei Maior, vêm tentando desfigurá-la de todas as maneiras. Esses esforços atingem o seu ponto mais agudo na atualidade. Irradiando sua influência a partir do Congresso Nacional, a representação política do Grande Capital faz do ataque às cláusulas asseguradoras de direitos individuais e coletivos previstos na C.F. o centro de suas atividades.

Não constitui coincidência o fato de que todas as contrarreformas propostas pela direita assumam a forma jurídica de emendas à Constituição: financiamento empresarial de campanhas, terceirização das atividades laborativas, diminuição de maioridade penal, fim do voto proporcional, entre outros tópicos.

Para estruturar uma linha de contenção à ofensiva da direita o campo democrático-popular do debate político deve, resolutamente, assumir a defesa da legalidade democrática estatuída pela Carta de 1988 como centro de sua tática de ação. Sem tibieza.

5- O PT tem projeto de nação: mito.

O que o governo do PT e seus aliados fizeram nos últimos 12 anos foi articular uma proposta de crescimento econômico com atendimento parcial das demandas dos setores da base da pirâmide social. Algumas dessas extremamente importantes, a exemplo da política de valorização do salário-mínimo e os programas sociais. Algo de essencial, mas ainda insuficiente.

No documento do Núcleo Celso Furtado, do PT-RJ, publicado no Algo a Dizer, já em 2013, dizíamos:

Por projeto nacional entendemos a mobilização presente de esforços no sentido de criar as bases teóricas, programáticas e culturais para, numa dinâmica provavelmente associada ao longo prazo, pôr em prática as transformações que a sociedade brasileira requer para se transformar numa nação capaz de assegurar a todos os seus cidadãos o exercício efetivo de direitos e garantias individuais e, sobretudo, coletivos.

Entre as medidas a serem adotadas – ainda obstaculizadas pela correlação de forças atual – se incluem: assegurar o caráter público e universal à educação e à saúde; implantar o imposto sobre grandes fortunas; taxar fortemente os lucros das empresas monopolistas; realizar uma reforma agrária em grande escala combinada com a formação de uma agroindústria ecológica; submeter o sistema bancário ao interesse coletivo; assegurar o controle público das ações do Estado; descriminalizar o aborto; democratizar os meios de comunicação em todos os níveis; pôr fim à concentração fundiária urbana; garantir o domínio do país sobre seus recursos materiais, sobretudo os de natureza hídrica; intensificar os trabalhos de unificação política e econômica dos países latino-americanos; proteger os biomas ameaçados pelos interesses econômicos; mudar radicalmente o modelo de transporte público hoje inviabilizado pela opção pelo aumento da frota de automóveis, entre outros.

Conquistas, enfim, que deverão ser fruto da ação de uma nova maioria política e cultural formada pelo proletariado urbano e rural, pelos camponeses, camadas médias urbanas unidas aos movimentos sociais expressão dos anseios de mudança da juventude, das mulheres, dos negros, índios, grupos GLBT e populações quilombolas.

Por certo, tal articulação não se confunde com o atual projeto de acumulação de capital no qual nosso governo e nosso partido tentam negociar e inserir algumas reivindicações dos setores da base da pirâmide social.



Marcelo Barbosa é advogado, doutor em Literatura Comparada pela UERJ, diretor-coordenador do Instituto Casa Grande e autor, entre outros, de A Nação se concebe por ciência e arte – três momentos do ensaio de interpretação do Brasil no século XIX

Marcelo também é autor do texto “O moderno e o PT”, publicado no Algo a Dizer, no site da Agência PT de Notícias e no Blog dos desenvolvimentistas

Kadu Machado é jornalista e advogado, membro do Núcleo Celso Furtado, do PT-RJ e editor do jornal de Cultura e Política Algo a Dizer

Um comentário:

  1. “Quando sentimos de um jeito visceral – emocionalmente – a conexão com aqueles à nossa volta, nossa fisiologia automaticamente alcança a coerência. Ao mesmo tempo, quando ajudamos nossa fisiologia a trazer coerência, abrimos a porta para novas maneiras de compreender o mundo à nossa volta. Este círculo virtuoso, descrito por Maslow, é o portal para a realização do ‘eu’ – sem stress, ansiedade ou depressão.” “…,Mas a influência dos outros sobre – e contribuição para – nosso próprio equilíbrio emocional não se limita à nossa família nuclear. De fato, quanto mais bem integrados estamos na comunidade da qual queremos cuidar – e mais forte é o nosso sentimento de desempenhar um papel nela que seja importante para os outros -, mais facilmente superamos nossos sentimentos de ansiedade, desespero e inutilidade.” - David Servan-Schreiber.

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