Por Marcelo Barbosa
Após a última réplica do meu diálogo com o companheiro Valter Pomar sobre o texto Mito e realidade no cotidiano petista
recebi, quase simultaneamente, duas mensagens: a primeira, do próprio Valter
(reproduzida abaixo), espinafrando meu novo texto. A segunda, de felicitações
ao conteúdo da minha resposta, assinada por esse grande brasileiro, o senador
Saturnino Braga. Ao primeiro respondo abaixo, ao segundo agradeço o apoio.
Vamos, então, na ordem proposta pelo Valter:
1- Em 2014, a ajuste ideado pelo ministro Mantega era pensado como
conjunto de medidas para reequilibrar as contas públicas. Não tinha a
abrangência que assumiu em 2015. Foi o quadro surgido nos meses de janeiro a
março que lhe deu a atual configuração, inclusive no que diz respeito à
violência dos cortes orçamentários aprovados.
2- Concordo quando você diz que o ajuste provocará mais instabilidade.
Porém, ao momento, a instabilidade teve e tem natureza política. A tarefa das
forças democrático-populares é a de disputar o governo para a realização de uma
outra orientação econômica, antes que os efeitos da atual, que ainda não se
fazem sentir com tanta intensidade, se generalizem.
3- Não considero o Cunha e o Temer parceiros na construção de um projeto
de nação. No entanto, há que se fazer distinções entre um e outro. Enquanto
Cunha trama a derrocada do nosso governo, Temer defende a legitimidade do
mandato da Presidenta Dilma.
4- Não vejo vínculo direto, como você diz, entre a nossa política de
alianças e atual política econômica. O PMDB se singulariza por ser uma
agremiação fisiológica e não um partido dotado de uma ideologia clara. Para
nossa surpresa, quem propôs um ajuste de corte “tucano” foi o PT e, não o PMDB.
O problema apresenta uma complexidade maior do que você deseja admitir.
5- Gostei de saber que você irá pensar sobre a minha argumentação acerca
da atualidade da questão nacional.
Recomendo a você a leitura (ou a releitura) de textos que constroem
pontes de diálogo entre as diferentes vertentes do pensamento social brasileiro,
mesmo quando conduzindo a conclusões diferentes das minhas, a exemplo de
“Subdesenvolvimento: fênix ou extinção”, de Chico de Oliveira, a respeito da
obra de Celso Furtado.
6- Com relação à Constituinte Exclusiva, uma dúvida me vem à mente: com
qual Walter Pomar devo manter diálogo? Aquele que defende a tese do fim do
ciclo da Carta de 1988, ou aquele que assina o memorável Manifesto do Grupo Brasil, documento que coloca no centro da tática
do campo democrático-popular a mobilização contra o programa de contrarreformas
constitucionais encabeçado por Eduardo Cunha?
7- Com relação ao projeto de nação, não alimento ceticismo igual ao seu.
Ao contrário. Considero que a elaboração programática a ser proposta pela
grande frente popular em gestação, vai encontrar muito mais consensos que
divergência, nada obstante as diferenças de expectativas entre seus
participantes. A vida dirá.
Polêmica
Por Valter
Pomar
Da minha
parte, faço as seguintes observações sobre a tréplica assinada pelo companheiro
Marcelo Barbosa:
1- Realmente
o ajuste fiscal não é “apenas um conjunto de medidas econômicas”. Mas não é
exato dizer que “trata-se de solução de compromisso para diminuir a intensidade
e os efeitos da crise política que quase levou ao afastamento da presidenta”.
Não é exato, porque esta explicação omite o fato de que em 2014 Mantega já
falava em ajuste. A escolha de Levy também foi feita em 2014. Ou seja, a
decisão de fazer o ajuste foi anterior aos meses de janeiro, fevereiro e março
de 2015. Logo, o ajuste não pode ser explicado nem justificado pela ofensiva da
direita que é posterior à sua concepção. Ao contrário, a ofensiva da direita é
que foi
facilitada pelo ajuste.
2- Exatamente
por isto temos que dar um “cavalo de pau” na economia. Aliás, seria um “cavalo
de pau” corretivo, pois o verdadeiro “cavalo de pau” foi dado pelo ajuste. Quem
causa instabilidade é o ajuste, que aliás é um fracasso segundo seus próprios
parâmetros. Ademais, o argumento segundo o qual "não há atalho para derrotar
essa mal fadada política de austeridade" na prática impede uma frente em
defesa de outra política econômica.
3- As
coalizões no Congresso detém importância “numa via que se pretende democrática
ao socialismo” a depender do programa, dos aliados e de quem dirige estas
coalizões. Claro que há um vínculo direto e outro indireto entre a atual
política econômica e a política de alianças. Mas o mais importante é: outra
política econômica exige outra política de alianças. Ou alguém acha que a atual
aliança (que inclui Cunha e Temer) é compatível com uma política de
transformações profundas?
4- Vou
pensar com meus botões acerca dos vínculos entre o que eu disse acerca da
questão nacional, a resposta dada pelo Marcelo Barbosa a respeito do
antiimperialismo, a relação disto com a Operação lava-jato e o diálogo entre as
escolas do Iseb e da USP. Não estou seguro de que o “arsenal crítico da
esquerda” ganhe com isto, mas certamente terei elementos para uma versão
atualizada do famoso samba-enredo que falava de Xica da Silva e de Tiradentes.
5- Não
basta ter lucidez tática, é preciso também ter lucidez estratégica. Por isto o
tema Constituinte não deve “voltar à pauta” apenas quando a situação melhorar,
sob pena de acontecer o que aconteceu em 2003. Aliás, a esquerda brasileira tem
disso: quando estamos fortes, modera; quando estamos fracos, se dispersa entre
os que lamentam não ter radicalizado na hora certa, os que pedem para esperar
tempos melhores e os que acreditam que quem sabe faz a hora não espera
acontecer.
6- Por
fim: existem várias classes sociais, várias frações de classe e vários
representantes políticos de cada um destes setores. Nem todo mundo concorda em “imprimir
transformações profundas nas estruturas econômicas, culturais, políticas,
sociais – entre outros nexos – de uma sociedade ainda extremamente desigual
como a nossa”. Não se trata de expectativas, se trata de diferenças profundas.
Motivo pelo qual não existe um único “projeto de Nação”. A não ser, é claro,
naquele plano em que consideramos que o nosso é o único, os dos demais são
falsa ideologia.
Publicado no blog do Valter
Pomar.
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